FALTA DE CONDIÇÕES NA PERÍCIA CRIMINAL
Excelências, autoridades, senhores
que, dos palácios, decidem nossos destinos:
Venho apresentar-lhes uma classe
oculta. Ocultação, aliás, um tanto irônica, pois somos os que veem. Somos,
caríssimos senhores, os olhos da Justiça, da Justiça tão necessária neste nosso
sofrido País.
Ninguém nos conhece, ninguém nos vê;
e nós seguimos em frente, vendo os males, vendo as dores, vendo as mortes, os
furtos e roubos, os acidentes, os sofrimentos somados e empilhados de nosso
povo, em sua maioria tão honesto e tão bom.
Somos, senhores, os peritos.
Ninguém nos conhece. Quando chegamos
ao local de um furto, as vítimas pensam que somos os investigadores.
Compreensível, pois eles raramente vão aos locais de furto. Que aliás raramente
são investigados, mas aí já é outra história.
Quando chegamos a um local de
homicídio, os bravos soldados da PM já o isolaram do público, e não somos
vistos.
Quando chegamos a um local de
acidente, a mesma coisa. Com o problema adicional do nosso suposto atraso:
todos estão ali esperando há horas para que a perícia libere o local, e onde
estava a perícia?
Explicarei aos senhores onde estava a
perícia: a perícia estava periciando. A perícia, esquecida de todos, estava se
deslocando por áreas cada vez maiores – afinal, com cada vez menos peritos, as
áreas de atendimento de cada perito só podem aumentar! –, tentando atender
decentemente a uma demanda que a situação do país só faz aumentar. Tentando,
senhores, registrar cada ponto crucial de cada uma das desgraças, de cada uma
das tragédias em que nossa presença é requisitada.
Os plantões, que há alguns anos atrás
eram cansativos, tornaram-se impossíveis. Áreas muito maiores, número cada vez
menor de peritos, uma criminalidade cada vez mais violenta, o flagelo das
drogas que assola toda a sociedade, espalhando-se como os braços esqueléticos
de uma Morte de folhetim, e a quem cabe tudo ver, tudo acompanhar, tudo registrar?
Ao perito.
Quando o crime ocorre, chama-se a PM.
Quando os vizinhos brigam, chama-se a PM. Quando o acidente ocorre, chama-se a
PM. 190 é o número, todos o conhecem.
O que faz, contudo, a PM? Vale
lembrar para que nossas autoridades possam tomar suas decisões – que, sabemos,
buscam o justo – com conhecimento de causa. A PM, senhores, preserva o local e
comunica à Polícia Civil. A PM preserva o local, contudo, não movida por uma
estranha vontade de vê-lo assim, paralisado no tempo. Não por acha-lo bonito.
Ela o preserva para nós: para aquele caco de perito que irá se arrastar de fora
de uma viatura, tendo atendido antes daquele outras dezenas de locais,
responsável solitário que ele é por uma área de milhares de km², com dezenas de
municípios.
À Polícia Civil compete ouvir as
partes envolvidas, instaurar – se for o caso – um Inquérito Policial, em que se
procurará a verdade dos fatos: houve crime? Há quem pareça o ter cometido?
E quem vai examinar o local do crime?
Quem vai testar cada instrumento empregado – ou não – nele? Quem vai procurar
resíduos, indícios e vestígios nos cadáveres, impressões digitais no local e
nas peças? Quem vai discernir como aquilo aconteceu, para que a Polícia Civil
possa dedicar-se a descobrir os “quems” e “porquês” que levarão um dia, se tudo
der certo, à justa punição de um criminoso?
Um perito.
Um perito solitário, acompanhado, na
melhor das hipóteses, de seu escudeiro o fotógrafo, que hoje em dia também
cumpre, no mais das vezes, as funções de agente (motorista e guarda-costas).
E ninguém o vê, ninguém o conhece.
Somos poucos, pouquíssimos!, cada vez
menos. E a criminalidade aumenta cada vez mais. E as áreas que cada um cobre no
plantão aumentam cada vez mais. E agora ouvimos dizer que todo mundo vai ter um
justo aumento de salário. Menos nós. É isso mesmo? Não temos certeza, porque
estávamos ocupados demais trabalhando. Estávamos examinando os corpos das vítimas,
as janelas quebradas, os carros batidos, os rastros, traços, tacógrafos, facas,
pistolas, drogas, porretes. Estávamos examinando, senhores, o Mal. As marcas da
maldade humana. Percorríamos, maleta na mão, o bosque onde Seu Lobo fez das
suas. Não deu tempo de acompanhar a política ou de fazer passeatas.
Mas levantamos por um instante a
cabeça do nosso trabalho, que não cessa, e pedimos, respeitosamente, que não se
esqueçam de nós. Somos invisíveis, mas somos os olhos da Justiça. Sem nós, não
há Justiça possível.
Não pedimos privilégios, apenas a
isonomia já existente que – dizem – está para ser jogada fora.
E esperamos, sinceramente, que os
senhores jamais precisem dos nossos serviços; afinal, somos aqueles que
registram o Mal, para que o Bem prevaleça.
Agradecendo antecipadamente a
atenção,
Um Perito Cansado
Nobre colega perito oficial criminal.
ResponderExcluirColocas com propriedade o cerne da questão.. Para isso estamos trabalhando a frente parlamentar de constitucionalizacao da pericia oficial criminal brasileira. Isso dara efeito e cabo de muitas acoes através do efeito positivo guardachuva e ai sim estaremos rumando ao desempenho e reconhecimento laboral digno tal qual mp judiciário deve Sória publica que já está La no art 135 da CF consagrada como função essencial a justiça (nosso local sem sombra de duvida através da pec existente 325/09)
Pericia náo é policia...deve ser autónoma e manter asssim plena imparcialidade...com isenção de animo e cientificismo a prova fica robusta e a justiça acontece! Sem pericia oficial criminal...náo ha culpados...e nem inocentes e a impunidade cresce e quem ganhar com isso é a bandidagem que nos assola!
Leandro Cordova
Perito oficial criminal do instituto Geral de Perícias Gaúcho há 16 anos.
Membro da Assoc Bras de Criminalística ABC
Muito bem colocado, meu querido e brilhante amigo Leandro Cordova!
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